28 abril 2013

cento e dois

Andava sempre sem se preocupar com o seu destino. Deixava que outros pés a guiassem, enquanto olhava para o chão. Brincava com os desenhos da calçada: pisar só as pedras brancas, depois só as pretas, depois um pé sempre nas brancas e o outro sempre nas pretas. De vez em quando, num padrão mais complicado, demorava-se um ou dois segundos  e logo sentia uma mão a puxá-la. Olhava para cima por instantes e seguia o jogo. Quando se cansava, olhava em volta. Via pernas e joelhos e, volta e meia, cruzava-se com outro par de olhos bem abertos. E sorria.
A caminho de casa, passava sempre junto a um longo muro cinzento. Por vezes encostava a mão à pedra para sentir a sua textura, mas era sempre repreendida. Numa típica manhã de primavera, daquelas em que o ar ainda fresco e o sol já forte cobrem o corpo com uma ligeira pele de galinha, ela parou subitamente em frente ao muro. A outra mão puxava-a pelo braço mas ela estava ancorada. Os olhos estupefactos e o sorriso a alargar-se até quase lhe ocupar todo o rosto. À sua frente, rompendo a seriedade daquele imenso bloco de pedra, uma pequena flor de pétalas brancas e amarelas sorria-lhe de volta. Com mais um puxão do braço foi obrigada a continuar a sua marcha, mas levou consigo o sorriso que aquela flor lhe deu.
Quando cresceu, especializou-se em botânica.



inspiração: pensar positivo

27042013

1 comentário: